Acho que hoje tive a viagem mais longa de comboio de toda a minha vida. Dia marcado por outra greve que pareceu transformar minutos em horas sôfregas.
Podia fazer uma série de piadas (e aliás pensei nisso) em relação a aromas e palavras de ordem como “vou sair agora merda”, para além daquelas pessoas que criticavam as pessoas que a tentar sair do comboio eram bem-educadas ao invés de dizerem “vou sair agora merda”, enfim equacionei falar da parte cómica, como do senhor que perdeu o sapato ao entrar no comboio. O que sucede é que por trás de muitos risos eu apercebi-me da capacidade do ser humano se tornar irracional e anárquico.
O efeito multidão explica que em grupo cada pessoa racionaliza por si com desprimor por todos os que a rodeiam, conferindo à multidão um carácter anárquico. Bem, assistir a isso tudo estando confinado numa carruagem, é sufocante.
O que me chocou foi a brutalidade com que as pessoas agiam simplesmente para conseguir entrar e sair do comboio. Tudo bem, têm compromissos importantes, mas com certeza a vida humana é mais importante que esses compromissos. Não se empurram grávidas, não se nega o lugar a pessoas idosas, não se grita “matem-se todos” num meio de um comboio já de si sobressaltado.
Foi então que no meio de tanta animalidade irracional, me concentrei nas pessoas que, mesmo sobre aquele stress todo, mostravam alguma humanidade.
Gente com semelhantes compromissos que se preocupou em ver se as grávidas podiam sair em segurança, seres humanos que cediam os seus lugares a outros semelhantes que denotavam aflição nos seus rostos.
Se é verdade que é sobre o efeito de stress e pressão intensas que mostramos o nosso verdadeiro “eu” e se também é verdade que os “eus” do comboio eram maioritariamente narcisistas maliciosos, eu quero me concentrar nas pessoas que não o foram. Naquelas que respeitam, mantém-se serenas, civilizadas e prestáveis.
Não é por o mundo andar com os valores trocados, que nós temos de nos portar como uns desalmados selváticos. Temos de ser fiéis aos nossos valores em qualquer situação.
Se não tivermos valores em que acreditar e se não valorizarmos a vida (nossa e dos outros), então não temos alma, somos apenas corpos que pairam à procura da satisfação momentânea.
Eu acredito que não somos assim, foi a situação que provocou a reacção, pelo menos assim o espero.
I`ll smell you all later